sexta-feira, 27 de abril de 2018

CLUBE DE LEITURA - ABRIL

Ontem, pelas 21h00, decorreu a sessão de abril do Clube de Leitura, para a apreciação e debate do livro "Lillias Fraser" de Hélia Correia, sugerido pela Ana Gomes.

Foi consensual que a leitura da obra mais aclamada da autora e que recebeu o Prémio de Ficção Pen Clube em 2001, nos despertou um grande interesse e proporcionou um grande prazer na sua leitura.

Na sequência da demanda de Hélia Correia por terras célticas na procura das suas origens de sangue escocês, surge este interessantíssimo romance histórico passado entre 1746 e 1762, com um percurso desde a Escócia, das Highlands, passando pelo castelo de Moy Hall, Londres, Edimburgo, Lisboa, Mafra, Almeida e finalmente Lisboa novamente.

Em toda a obra estão presentes personagens histórias escocesas e em Portugal, surgem-nos de forma subtil outras tantas, tais como o Ministro (Marquês de Pombal), o Padre Malagrida e o seu auto de fé, a Inquisição, D. João V e até uma personagem da obra de Saramago, a Blimunda Sete Luas que se cruza com Lilllias no grande final.

A obra fala-nos da orfandade, do exílio, da mudança de identidade e do travestimento como forma de sobrevivência no cruel universo de setecentos.

Lillias Fraser tem o poder de uma terceira visão, ou seja, tem visões premonitórias que lhe serão fundamentais para sobreviver, como aconteceu durante o terramoto de 1755.

A descrição de todo o ambiente da época, das ruas, das casas, do desorganizado exército português são magníficas.

Lillias Fraser é uma personagem comovente pelo constante desejo de calor e conforto humano, próprio de quem perdeu tudo e está entregue à sua sorte, o que nos remete para o drama das grandes correntes migratórias da atualidade.

"Lillias Fraser" é a história de Lillias Fraser, menina escocesa, filha e irmã de rebeldes de guerra que se insurgiram contra os ingleses, que tinha o poder de antever a morte das pessoas quando esta se aproximava delas, de ver o futuro, a chamada "terceira visão". A este poder devemos o arranque do livro, um arranque fortíssimo, em que Lillias prevê a violenta morte de Tom Fraser, o seu pai. Guiada pelo espírito da mãe, Lillias encontra refúgio junto de Anna MacIntosh, e andará sempre entre casas diferentes até que, a pedido de um padre, é levada para fora do Reino Unido. A Portugal chega de barco em 1751. Acaba por ser entregue ao Convento de Santa Brígida, onde habitavam as freiras católicas inglesas (Minoria de um povo protestante anglicano, relembre-se.) de onde acaba por fugir, por não suportar as visões que lhe mostram o convento em ruínas. A meio da sua fuga pela floresta, dá-se o terramoto. Nessas circunstâncias conhece Cilícia que a adoptará mesmo depois do frenesi que o terramoto origina. Um pouco como as várias mulheres que vão estando à volta de Lillias, Cilícia acaba por perceber os poderes de Lillias e pede-lhe que os use para trazer o seu filho para casa. Jayme acaba por aparecer, ainda que seja um tanto indefinido o papel que Lillias teve nesse regresso. Paixões, partidas, uma gravidez da menina, deserção e uma nova guerra são os assuntos que tomam parte no destino de Lillias e de Portugal.
Mas Lillias é a personagem que se quer seguir, muito mais do que propriamente os destinos do país. É que Lillias Fraser questiona todo o tipo de conceitos e coloca toda a sorte de questões. A primeira e eventualmente a mais interessante é a da relação da identidade de um indivíduo com o seu passado: Lillias é obrigada, ainda na Escócia a ocultar o seu aplido verdadeiro e ao longo da história é chamada Lillias MacLean e mais tarde Lília Peres; quando por fim revela o seu verdadeiro aplido, já em Portugal, toda a sua vida é virada do avesso, pois o nome Fraser, banido, é lembrado ainda entre os soldados ingleses. Outra questão é a da possibilidade de prever a morte: ainda que primeiramente essa capacidade seja uma benesse para Lillias pois, depois de prever a morte de Tom Fraser consegue ela mesma salvar-se da morte; a verdade é que no desenrolar do romance, Lillias começa a ser prejudicada por esse dom, porque as mulheres, dadas a estranhas intuições, o entendem e acabam por se sentir ameaçadas por ele, achando, como seria de esperar, que é um poder conferido pelos demónios, e uma heresia, etc, etc, etc; e a própria Lillias, quando se apaixona por Jayme evita olhá-lo para não lhe prever a morte.
Aqui mesmo, onde muitos poderiam encontrar uma justificada semelhança com o "Memorial do Convento" de José Saramago, Hélia Correia cruza subtilmente Blimunda Sete-Sóis com Lillias Fraser, quando a primeira decide cuidar da gravidez de Lillias. E, quando comparam os seus dons, Blimunda conclui "Então sou mais feliz do que tu és" (pag. 280).
O final do romance é ele mesmo uma tremeda ironia que confirma a ideia de que o narrador, que podemos assumir, pelo segundo capítulo da primeira parte ser a própria Hélia Correia, é uma "figura" que sabe umas coisas e outras não, o que lhe permite conduzir desta forma mirabolante a história e até questionar ou rebater a História: "Foi por um triz que o Carniceiro da Escócia não se sentou no trono português" lemos, ao mesmo tempo que sabemos que apesar de não ter entrado pelo trono, não quer dizer que não tenha entrado em Portugal...





   

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