segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

CICLO TEMÁTICO "O FUNDO LOCAL E OS SEUS AUTORES" INICIA COM MANUEL CÓRREGO

Na passada sexta-feira, pelas 21h30 decorreu a primeira sessão do Ciclo Temático "O Fundo Local e os seus autores", que teve como convidado o escritor Manuel Córrego, havendo lugar a uma análise literária e biográfica apresentada pela Dra. Cristina Marques e ainda à Leitura encenada de alguns excertos da peça "A Rainha e o Cardeal".

Nesta sessão a coordenadora da Biblioteca deu uma pequena explicação de como se pode aceder às obras e aos seus conteúdos  através da internet, no blogue da Biblioteca ou do site  http://www.bibliotecadigital.cm-sjm.pt.

O antigo Grupo de Teatro NAT - Núcleo Amador de Teatro e o Grupo Cultural TOJ animaram a sessão com interpretação de alguns textos do autor sobre diversos períodos históricos abordando assuntos e preocupações que se mantêm nos problemas da actualidade nacional.

Com o objetivo de divulgar o projeto de Digitalização e Disponibilização Pública do Fundo Local, nomeadamente, o acesso digital às obras e aos seus autores, de 2  em 2 ou 3 em 3 meses a Biblioteca convidará um autor cuja obra faz parte do espólio que constitui o Fundo Local. 
 
Desta forma, ao mesmo tempo que homenageia os seus autores, a Biblioteca Municipal pretende preservar a História e o Património documental de S. João da Madeira e torná-lo visível e acessível a toda a comunidade, valorizando assim uma importante parte da história da cidade, por intermédio daqueles que foram os documentos produzidos ao longo do tempo.
















Leia o texto apresentado pela  Dra. Cristina Marques a seguir:



A Manuel Córrego…
         Acho que a S. João da Madeira faltava esta forma de recuperar e dignificar os seus escritores e estratégias de divulgação da ação dos que  construiram o que somos. Particular agrado me causou o facto de a 1ª figura  ser o Dr. Manuel Pereira da Costa. Deve ser dos poucos nomes da nossa terra que é pronunciado em “sequência regular”, como um todo dignificante e individualizador: Manuel Pereira da Costa.
-  Manuel Pereira da Costa?
 - Ah é o diretor d’ O Regional!  - diz, em uníssono, S.João da Madeira.
         De facto, o desempenho desta função e o que implementou neste jornal permitiram que se pintasse um retrato seu com moldura sanjoanense, ainda que não tenha nascido cá. O Regional foi Dr. Manuel Pereira da Costa , mas Manuel Pereira da Costa é  muito mais que o jornalista, o diretor e o cronista.  É difícil sintetizar , em poucas palavras,  o tanto que é o Homem e o Escritor,  mas encontro nos versos de Luís de Camões, poeta tão seu querido, as expressões ideais para o caracterizar:
 “[…] braço às armas feito,
[…] mente às Musas dada” (X,155)
         As causas da democracia e da liberdade revelaram-no como Homem de ação, como  lutador e como  agente de mudança, nestas terras e em momentos de específico valor histórico: campanha de Humberto Delgado, comissões de apoio aos presos políticos, eleições legislativas de 1969, eleição de Benjamim Valente, ações de oposição ao regime salazarista . E não resisto a referir nomes como Magalhães dos Santos ou Strech Monteiro, entre outros, que ficarão para sempre, tal como Manuel Pereira da Costa, ligados à história de S.J.M.
As marcas indeléveis  que deixou como homem de ideias e de ação confirmam, portanto, o “braço às armas feito ”.
         “ Uma mente às musas dada” tem provas na vasta, muito vasta obra de Manuel Córrego, pseudónimo de Manuel Pereira da Costa. E se vários prémios recebeu, de que destaco os Prémios Garrett, Teatro Inatel, Prémio da Escola Superior Artística do Porto, Prémio Ler/Círculo de Leitores, cumpre-me destacar a vertente dramatúrgica concretizada em aproximadamente uma vintena de obras. A  mestria que revela na escrita de teatro garantiu-lhe a série de estudos feita sobre a sua obra, nomeadamente pela  Universidade de S. Paulo em cadeiras dedicadas ao teatro histórico português. O enfoque dado ao trabalho deste autor, no âmbito desta faculdade e no âmbito de teses realizadas, destaca um aspeto marcante da dramaturgia de M Córrego: a vertente histórica.  O próprio autor reconhece  a importância da sequência dos aconteciemntos históricos passados para explicar ou gerir a atualidade. Assim, na sua obra, a história dialoga com a ficção e M. Córrego  reconhece-se albergado pelas palavras de Eça, quando na  Relíquia  diz “ Sobre a nudez forte da verdade -  o manto diáfano da fantasia”.
         A História é, em M Córrego, um pretexto e um pré-texto para a ficção tal com esta o é para o desvendar da História.
         Por vontade do autor, destacou-se, aqui, hoje, uma parte da Trilogia dos Descobrimentos, obra dedicada às figuras históricas de D. João II, D. Manuel e D. Sebastião, agentes importantes da nossa história.
         O romance histórico e o teatro histórico (algumas peças de MC  são textos de cariz brechtiano, cujo objetivo é formar a consciência e a opinião política, fazendo  articular várias linguagens artísticas: música, imagens…) nunca poderão ser lidos com isenção da carga ficcional ( afinal o texto literário é uma recriação/re-elaboração pela linguagem  - que é um código – de algo acontecido ou não, vivenciado ou não ( recuperando a teoria do fingimento, explicada em “Autopsicografia” de F.Pessoa)).  Se excetuarmos esta dimensão ficcional garantida pelo código linguístico, o texto histórico de MC prolonga a ficção, por opção deliberada do autor, ao escolher a figura ou a época e ao  apresentar a perspetiva de um eu que faz uma leitura da história. Esta riqueza ficcional do texto literário histórico aparece intensificada  neste autor porque, de forma exímia, coloca em interação figuras da realidade acontecida e figuras da ficção numa horizontalidade que promove uma outra dimensão de conhecimento, recriando acontecimentos ou dando-lhes continuidade à luz de outra mentalidade e de outros contextos socioeconomicos e culturais. Refiro, a título de exemplo, os  escritores Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco construídos  como personagens de uma diegese romanesca.  Este é um artifício artístico-literário da pós-modernidade que também encontramos em Saramago no Ano da Morte de Ricardo Reis , em valter hugo mãe com o “esteves sem metáfísica” que aparece na Máquina de fazer espanhóis ou, mais recentemente ainda, em Nuno Camarneiro com as figuras de Pessoa e Jorge Luís Borges em No meu peito não cabem pássaros.
         Ouvimos, hoje, aqui, uma leitura dramatizada feita pelo TOJ, a quem agradeço a prestação, de um excerto de “A Rainha e o Cardeal” que é  a terceira peça da Trilogia dos Descobrimentos. A escolha deste texto para partilhar convosco foi da iniciativa de próprio autor, mas se eu tivesse que escolher um momento da obra de MC seria exatamente esta peça por se tratar, primeiro, de um texto dramático ( portanto, modo literário muito ilustrativo da obra do autor) e, segundo,  pela incrível atualidade da mensagem. É o próprio dramaturgo que o atesta:

“A verdade é que muitos atos do rei fervente se repetem hoje em dia. A colossal cegueira para o vendaval que se aproximava, a teima em gastar muito mais do que se produz, a maneira de encarar o naufrágio, sem saber se a cura não seria pior do que a doença, a hipoteca do futuro em favor do egoísmo feroz do presente.” (CÓRREGO, Manuel)

“Hoje estamos a braços com uma crise de tal ordem que foi preciso a União Europeia dar ordens precisas e diretas para medidas de saneamento das contas públicas, coisa que todos sabiam, mas que ninguém pôs cobro, nada mais que por interesses políticos imediatos.” (CÓRREGO, Manuel)

         A escrita de MC revela um excelente domínio da língua portuguesa (tão maltratada ultimamente… por acordos em desacordo!), manifesta uma excelente limpidez na estruturação das frases, sintomática de uma clara  estruturação de raciocínio e de uma conceção metódica da arquitetuta do romance e da estrutura interna do texto dramático. As personagens recortam-se sempre em consistente densidade psicológica, ganhando contornos de verosimilhança junto do leitor. Os diálogos do texto dramático  são incisivos, pungentes, conduzindo em ritmo acelerado ao climax da ação. Mestre na arte do teatro, MC não é desconhecedor da necessidade de aligeirar ou cortar o ambiente dramático e tenso das peripécias, sabendo  introduzir episódios mais leves, humorísticos, com ritmo diferente.  A sua cultura literária vasta dá-lhe o saber para incluir, por exemplo, um coro, na função do coro das tragédias clássicas que agoura ou prediz o desenlace da diegese, ambas as situações aqui presenciadas  hoje.
     Gostaria de terminar, dizendo que Manuel Pereira da Costa, como cidadão ativo, empenhado e modelar, também o é como escritor:  a sua obra é a voz da História  consubstanciada  na sua forma de ser democracia e na sua arte de escrever para todos em nome da nossa portugalidade.
                                                                                      Cristina Marques



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