Ontem, pelas 21h00, na Biblioteca Municipal, decorreu a sessão do Clube de Leitura de Setembro, para partilhar ideias sobre a obra "Os cus de judas" de António Lobo Antunes.
O livro foi publicado em 1979 e é o segundo volume de uma trilogia. Sendo o primeiro "Memória de elefante", "Os cus de judas" e "O conhecimento do inferno", nos quais o autor pretende fazer uma espécie de catarse para tentar superar os traumas psicológicos causados pela sua participação como médico-soldado na Guerra Colonial em Angola.
Trata-se de um relato brutal, uma escrita densa, chocante, na qual também não faltam, por vezes, algumas passagens hilariantes e com aquele humor de caserna, sarcástico e mordaz.
A obra contém metáforas, imagens e citações que nos fazem entender o
grau de cultura do seu autor, com referência às artes como o cinema, a literatura, a pintura, com El Greco, Giotto, Vermeer e muitos mais.
A saga começa em Lisboa, a bordo do Vera Cruz, faz a sua passagem pela Madeira, depois Luanda, Nova Lisboa, Luso e por fim a viagem "apocaplítica", em campos minados até Gago Coutinho, a que A.L.A. apelida de "inferno, ou inferno maior, o sétimo inferno", com a "Zâmbia quase à vista", por onde entravam os turras (soldados do MPLA).
Ainda em Lisboa, no momento do embarque no Vera Cruz, A.L.A. faz-nos uma contextualização histórica de Portugal bastante realista, "O espectro de Salazar pairava sobre as calvas pias labaredazinhas de Espírito Santo corporativo, salvando-nos da ideia tenebrosa e deletéria do socialismo. A Pide prosseguia corajosamente a sua valorosa cruzada contra a noção sinistra de democracia, primeiro passo para o desaparecimento, nos bolsos ávidos de ardinas e maçanos, do faqueiro de cristofle. O cardeal Cerejeira, emoldurado, garantia de um canto a perpetuidade da Conferência de São Vicente de Paula, e por inerência, dos pobres domesticados. O desenho que representava o povo em uivos de júbilo ateu em torno de uma guilhotina libertária fora definitivamente exilado para o sótão, entre bidés velhos e cadeiras coxas, que em fresta poeirenta de sol aureolava do mistério que acentua as inutilidades abandonadas".
Em toda a narrativa há um lamento indignado e desesperado contra a guerra, o colonialismo, a escravidão, um regime decadente e alheado da realidade, à mistura com relatos de sentimentos do mais íntimo que um ser humano pode confessar, umas "saudades indescritíveis", uma "melancolia sem remédio" e uma "solidão
enorme".
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