Joshua Benoliel nasceu em Lisboa a 13 de
janeiro de 1873, de uma família judia que se instalara em Gibraltar e, por
vezes, Marrocos. Os Benoliel são, então, uma família judaica que, pelo século
XVIII, se encontrava estabelecida em ambas as margens do Mediterrâneo
ocidental.
As suas ocupações eram sobretudo
comerciais, desempenhando também papéis importantes na comunidade hebraica em
que se inserissem. Esta rede de contactos potenciava não apenas os negócios dos
vários membros da família, mas também o prestígio diplomático de alguns destes,
caso do bisavô de Joshua, Don Judah Benoliel, que desempenhou funções de cônsul
da Áustria e de Marrocos em Gibraltar. Também sabemos que Solomon Benoliel,
trisavô de Joshua, teve a possibilidade de encontrar refúgio na cidade
marroquina de Tânger por altura do Grande Cerco de Gibraltar pelas forças
hispano-francesas (entre 1779 e 1783). Este intercâmbio trans-mediterrânico
dotava a família de um cosmopolitismo que se refletiria nas gerações seguintes.
A partir de 1800, com a redução do poder
da Inquisição, e depois com o advento da monarquia constitucional, os judeus
foram novamente autorizados a instalar-se em Portugal, e algumas discretas
comunidades surgiram, principalmente em Lisboa, nos Açores e em Faro. Não
conhecendo as circunstâncias exatas da chegada dos pais de Joshua ao país,
podemos afirmar com algum grau de certeza que estariam incluídos nesta dinâmica
de intercâmbio mediterrânico, de que as comunidades judaicas portuguesas
passaram a fazer parte. Súbdito britânico, Judah Benoliel ter-se-á deslocado de
Gibraltar para Lisboa antes de 1865, pois foi esse o ano em que se uniu em
matrimónio a Ester Levy na capital portuguesa. As deslocações motivadas pela
sua atividade aduaneira obrigam-no a uma curta estadia intermédia em Londres
onde, em 1867, nasce Hannah, a irmã mais velha de Joshua. Mas este nasceria já
em Lisboa, no dia 13 de Janeiro de 1873.
Desta forma, os primeiros anos de vida
de Joshua seriam passados na casa dos pais, num segundo andar da Praça Luís de Camões.
Anos depois, a família mudar-se-ia para nova habitação, na Rua Nova da
Trindade, então chamada Rua do Secretário de Guerra. Mesmo depois de se casar,
Joshua Benoliel não se distanciaria muito da residência paterna, habitando um
apartamento na Rua Ivens. Toda a sua vida familiar seria, portanto, passada
numa área de escassas centenas de metros, justificando a designação de
"rapaz do Chiado" que lhe atribui Joaquim Vieira. Este facto marcaria
de forma indelével a sua vida adulta: à data, o Chiado era o centro da agitação
social; era aí que primeiro chegavam as notícias do exterior, ou onde o jovem
se cruzaria com todas as personalidades da época.
Nada sabemos sobre a sua infância, ou sobre a educação formal que lhe foi
ministrada. Sabemos sim que dominava várias línguas – além do português, o
castelhano, o inglês e o francês – e que possuía o trato de um gentil-homem,
sendo capaz de se apresentar adequadamente em qualquer situação. Mas estas
características podem simplesmente ser resultantes da educação familiar, na
qual a apresentação e a capacidade
de comunicação eram ferramentas essenciais para o bom desempenho das
tarefas do comércio. Não podemos descurar o facto de que Joshua era filho de um
cidadão britânico, e que ele próprio manteve essa nacionalidade,
identificando-se toda a vida como tal. O seu pai era não apenas britânico, mas
um britânico de Gibraltar, um enclave em território espanhol, e que mantinha
relações comerciais e familiares em territórios francófonos do norte de África.
Na senda da carreira aduaneira do pai,
tornou-se despachante alfandegário em Lisboa, ainda com 19 anos de idade. Mas o
entusiasmo do jovem voltava-se então para os desportos, que conheciam então uma
expansão considerável e se tinham tornado um dos passatempos preferidos da
população. No início da década de 90 do século XIX associa-se ao Real Ginásio
Clube Português, onde Benoliel viria a desempenhar diversas funções diretivas.
Mas, à época, era a prática da educação física que o fascinava, e
envolver-se-ia em diversas modalidades, principalmente o foot-ball, que tivera
a sua primeira apresentação em Portugal no ano de 1889. Desconhecemos se alguma
vez integrou a equipa do RGCP como praticante, mas existem registos do seu nome
como fiscal de linha ou árbitro dos jogos. Contudo, o seu primeiro grande projeto
foi de teor jornalístico. Em 1894, associa-se a outros sócios do RGCP, e lança
o primeiro número do jornal O Sport.
A evolução da atividade fotográfica
acompanhou de perto a expansão da prática desportiva, e em breve este se
tornaria um dos assuntos preferidos das objetivas. Não sabemos ao certo qual
terá sido a influência decisiva para o interesse do jovem Benoliel pela prática
fotográfica: por um lado, tinha essa influência do mundo do desporto, tema
aliciante para um número crescente de fotógrafos; por outro, existe indicação
de que terá convivido em contexto laboral com o fotógrafo amador José Chaves
Cruz, que também exercia funções como despachante aduaneiro. Certo é que as
primeiras fotografias assinadas por Benoliel surgiram no 139 do quinzenário O
Tiro Civil, retratando as "Regatas do Centenário", que comemoravam os
400 anos da viagem de Vasco da Gama à Índia. A partir daí, o seu nome passa a
aparecer nos créditos da publicação como colaborador artístico.
Em Outubro de 1898 participa numa
exposição fotográfica em Cascais, onde também exibiriam os seus trabalhos o
próprio rei D. Carlos, e outros elementos de relevo da nobreza e burguesia de
Portugal. Continua a trabalhar como despachante alfandegário, publicando simultaneamente
os seus trabalhos em diversas publicações: Mala da Europa, Brasil-Portugal e
Ocidente, além do já mencionado O Tiro Civil. A transição para a atividade
de fotógrafo profissional dar-se-ia por volta de 1902, alargando também o
âmbito das suas reportagens fotográficas: acompanhava agora também a vida da
Corte, desde as caçadas reais em Vila Viçosa até às visitas de chefes de estado
estrangeiros, como a de Afonso XIII de Espanha ou a de Eduardo VII de
Inglaterra. O fácil trato de Benoliel granjeava-lhe as maiores simpatias por
parte da corte portuguesa, e principalmente do rei D. Carlos, o que lhe
facilitava grandemente as tarefas de fotógrafo. Mas também era notório o afeto
que lhe concedia o monarca espanhol que, muitos anos depois da sua visita a
Portugal, o reconhece na gare de San
Sebastian como se de um velho amigo se tratasse.
A sua carreira fotográfica conheceria um
desenvolvimento exponencial a partir de 1904, quando se torna correspondente
artístico do jornal espanhol ABC (o mais antigo dos três maiores periódicos
generalistas espanhóis ainda em publicação) e da prestigiada revista ilustrada
francesa L'Illustration.
Inicia-se também, por estes anos, a sua colaboração de longa data com a revista
Ilustração Portuguesa, propriedade da empresa editorial de O Século, onde
publicaria algumas das suas mais famosas reportagens. Para isso contribuiu o
acesso privilegiado que Benoliel detinha junto das mais altas individualidades
portuguesas, mas também a sua capacidade para captar os momentos do quotidiano
de uma forma original e espontânea, estilo que o fotógrafo faria progredir em
qualidade ao longo da sua carreira. Acima de tudo, Benoliel beneficiava da sua
afabilidade e desembaraço, cultivando uma longa lista de contactos, que não só
lhe franqueavam o acesso aos locais e eventos, como lhe faziam chegar em
primeira mão as notícias relevantes. Acompanhando a Corte nas deslocações que
esta empreende ao estrangeiro, como a visita de D. Carlos a Inglaterra,
consegue que o Conde da Ribeira e o ministro Vilaça lhe facilitem os passos
junto das zelosas forças policiais inglesas.
Acompanha com diligência a vida política
do país, desde o governo de João Franco aos eventos que culminariam no golpe de
estado republicano de 1910. Pelo meio falha o instantâneo crucial do Regicídio
o que, confiando na intuição que lhe era reconhecida, poderia ter revelado toda
a dimensão do conluio republicano. Mas essa falha não constituiu apenas um
embaraço profissional: homem da confiança de D. Carlos e monárquico convicto até
ao fim dos seus dias, Benoliel perdeu nessa data um amigo e uma referência de
Estado. Compensou a omissão, produzindo as primeiras imagens que foram vistas
no estrangeiro do homicídio real, dos assassinos executados, e dos eventos que
conduziriam à entronização de D. Manuel II. Manteve, contudo, a integridade
profissional que sempre o caracterizara, e que o tinha levado a retratar as
manifestações republicanas antes de 1910 ou a aquiescer à recusa de Aquilino
Ribeiro a ser fotografado aquando de um incidente que envolvia um acidente com
dois bombistas carbonários. Seria esta imparcialidade, a heterogénea rede de
contactos que possuía em todos os quadrantes políticos e a sua nacionalidade
britânica que lhe permitiriam continuar a praticar a sua atividade após o golpe
de estado de 1910, sem se sujeitar à perseguição política que então se movia
não apenas a monárquicos mas também a diferentes sensibilidades dentro do novo
regime. Conta-se que, a uma pergunta traiçoeira acerca da sua lealdade
monárquica ou republicana, terá respondido que era, isso sim, fotógrafo.
É a Benoliel que se devem os primeiros
instantâneos da movimentação dos dias 4 e 5 de Outubro de 1910 na Rotunda,
beneficiando com isso O Século, que os publicaria em primeira mão. E o regime
republicano serve-se – como a monarquia o havia feito antes – dos seus serviços
fotográficos para divulgar a imagem que pretendem transmitir a um povo tomado
de surpresa pelos eventos de Lisboa. Desta forma, capta e transmite as caras do
novo regime, em clichés que ecoarão por toda a Europa. Continua a dedicar a sua
atenção às convulsões políticas – as greves, os golpes de estado, as
permanentes dissensões governativas – mas também insiste nas cenas do
quotidiano, nos quais consegue alguns dos seus melhores trabalhos. Acompanha,
em Portugal e no estrangeiro, as movimentações do Corpo Expedicionário
Português, que participará nos confrontos bélicos da Grande Guerra a partir de
1917.
Mas, entre a carestia de preços
provocada pela guerra, a débil situação financeira do país, e as perseguições à
imprensa por parte do novo regime, os jornais debatem-se com dificuldades:
reduzem o seu investimento e alguns chegam mesmo a encerrar as portas.
Benoliel, um free-lancer cujos rendimentos dependiam da quantidade de clichés que
conseguia vender às publicações, debate-se também com dificuldades. Casado
desde 1899 com Simy Bento Ruah, tinha agora três filhos: Judah, David Michael e
Esther. Abandona com pesar, e consternação geral dos seus colegas, a atividade
fotográfica profissional, a partir de 1918. Com base nos mesmos predicados que
tantas portas lhe haviam aberto no fotojornalismo, torna-se gestor de relações
públicas de uma cadeia hoteleira. Continua, claro, a fotografar o que lhe
apraz, sempre que as novas funções lhe permitem a disponibilidade. Mas falhará,
mais uma vez, um assassinato de relevo, desta feita o de Sidónio Pais, ainda em
Dezembro de 1918. Os seus clichés são agora episódicos, mas continuam a ser
publicados, sempre que relevantes, até mesmo nas publicações estrangeiras com
as quais colaborava.
Mantém uma paixão pelos espécimes
bibliográficos raros, que o leva a ser representante em Portugal da famosa
livraria antiquária londrina Maggs Brothers. Se a fotografia o tinha aproximado
de D. Carlos, é a bibliofilia que o identifica com o exilado D. Manuel II, que
visita mais de uma vez em Londres. A venda em hasta pública de 1600 lotes de
livros antigos em 1939, já após a sua morte, demonstra bem a paixão que
Benoliel nutria pelos livros.
Mas, em 1924, o seu amor pelo jornalismo
fala mais alto, e cede ao convite de João Pereira da Rosa para chefiar os
serviços fotográficos de O Século. As funções permitem-lhe acompanhar a nova
dinâmica que começa a percorrer o país, e que culminaria na instituição da
Ditadura Militar – precursora do Estado Novo – em 1926. A bonomia de Benoliel
leva-o, mais uma vez, a conquistar as simpatias do novo regime, e enceta a
partir de então uma relação de amizade com o então general Óscar Carmona. O
Século segue os acontecimentos com atenção, mas não conhecemos ao certo o papel
de Joshua Benoliel nas reportagens que então se publicam.
Sofrendo de diabetes, é afetado por uma
pneumonia, finda a qual uma uremia lhe ceifa a vida, na última hora do dia 3 de
Fevereiro de 1932. Subsiste a extensa obra, mas também a memória da figura
típica, conhecida por todos e que, chamando para a sua objetiva a atenção,
bradava com uma voz poderosa, nas ruas de Lisboa: "é para O Século!"
É considerado o criador da reportagem
fotográfica em Portugal. Efetuou a cobertura jornalística dos grandes
acontecimentos da sua época, acompanhando os reis D. Carlos I e D. Manuel II
nas suas viagens ao estrangeiro, assim como a Revolução de Outubro de 1910, as
revoltas monárquicas durante a Primeira República, assim como o exército
português que combateu na Flandres durante a Primeira Guerra Mundial. As suas
fotografias caracterizam-se pelo intimismo e humanismo com que abordava os
temas.
Viu a sua primeira fotografia publicada
na revista Tiro Civil, no ano de 1899.
Trabalhou para o jornal O Século
e para a revista do mesmo jornal, a Illustração Portugueza
bem como para a revista O Occidente (1878-1915) e Panorama (1837-1868 e posteriormente
outras séries até 1968), revistas da altura, e destacou-se como colaborador
fotográfico nas revistas Atlantida
(1915-1920), Brasil-Portugal (1899-1914) e Tiro e Sport (1904-1913).
De certo modo é um percursor dos paparazzi de hoje.
A 13 de Dezembro de 1921 foi feito
Oficial da Ordem
Militar de Sant'Iago da Espada.
Texto de Teresa Parra da Silva
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