Teve ontem lugar, na Biblioteca
Municipal, a sessão mensal do “Clube de Leitura” que se dedicou à análise e
discussão da obra "Aurora adormecida" de Eva Cruz.
As participantes tiveram a honra e o
prazer de contar com a presença da escritora, que forneceu muita informação
complementar acerca da obra e revelou muito sobre a investigação histórica que
teve de realizar para a sua criação, apresentando documentos e algumas preciosidades fotográficas da época.
Aurora, a mãe da autora e
personagem principal da obra, dizia muitas vezes que a sua "vida dava um
romance". E deu mesmo!
"Aurora adormecida" é uma biografia da
mãe da autora e uma verdadeira homenagem ao amor entre mães, filhos e netos.
Uma das prefaciadoras, Carmina
Figueiredo, refere que "a
autora abriu o baú, relicários de histórias e de vida e, com os mesmos fios com
que tece um poema, urdiu uma bela história tão simples e tão comovente. É
filha, também é mãe, sabe o que é o amor, a entrega e a dádiva, é escritora e
tem um grande orgulho naquela sua mãe Aurora"
A esta obra, com apenas
128 páginas, "terrivelmente"
bem escrita e aparentemente, simples, não faltam os artifícios técnicos e literários tais
como diageses (narração com sequência cronológica), metadiegeses (inserção de narrativas secundárias dentro de uma narrativa principal), descrições e analepses (interrupção da narrativa cronológica para descrição de acontecimentos prévios), que nos revelam a mestria
da autora.
A escrita é "simples, fluida, intensa", por
vezes ousada, assertiva, emotiva, terna, tão bela, interessante e envolvente
que mais parece colocar-nos perante prosa poética.
Mas, para apresentar uma
apreciação da obra, nada melhor do que transcrever um artigo do Dr. Renato
Figueiredo publicado no jornal labor nº 702, de 27.07.2006, com o título “Um livro, um poeta”.
“É
rio de águas claras e tranquilas a passar mansamente, levando na corrente a
nostalgia da nascente. É cântico de admiração, respeito e amor, tecido em
estrofes de ternura, a carpir saudades que sente cedo virá a ter, o céu já
toldado por nuvens de ausência real que a presença física não esconde. É
esforço desesperado e inglório de fazer imortal alguém que se ama, mas que sabe
ir em breve morar em outras madrugadas, só permanecendo na sua memória e no seu
coração.
Postos
de lado preconceitos e frívolas conveniências sociais, decide, com ânimo e não
menor coragem, contar uma história. Vai escolher palavras singelas e promete
nada esconder ou amenizar, só a verdade ficará nas linhas que escrever.
A
história é real, é uma biografia. Tão fácil e tão difícil! Tão fácil pela
transparência da vida a descrever e pelos sorrisos que muitas passagens lhe
trazem aos lábios, tão difícil pela exigência de ser imparcial e neutra na
descrição, quando o sentir lhe pede deixar na sombra certos passos. Mas
difícil, sobretudo, pelas lágrimas que terá de reprimir tantas vezes, para que
a escrita não fique manchada de sofrimento.
Venturas
e desventuras, dores e alegrias vão surgindo. Afinal, uma biografia que
pareceria banal é crónica inteligente e lúcida de toda uma época, em que a
pessoa biografa enfrenta problemas de vária índole, humanos, sociais, políticos
e económicos, problemas que encara de frente, que questiona e resolve apenas
com a seriedade inata, o bom senso e a justeza de quem se posiciona na vida
tendo como lema obedecer somente à voz da sua consciência.
A
biografia é um terreno ingrato, dado que o biografo tem de ser totalmente
isento e desapaixonado, para não atraiçoar, ainda que involuntariamente, a
personalidade do biografado.
Em
Aurora Adormecida, pois é deste livro que falo, a sua autora, a Dr.ª Eva Cruz,
conseguiu, com excepcional mestria, ser biógrafa exemplar que nos revela, com
rigor e sem subterfúgios ou meias verdades, o retrato de corpo inteiro da
personalidade de sua mãe. Mas soube aliar, com raro engenho, a verdade ao amor
filial, de que resultou magnífico e exaltante poema de homenagem, tecido de
ternura, que é, por assim dizer, antecipado e comovido adeus a sua mãe. Ela, se
tal fosse possível, exigiria, na hora da partida, juntar esse poema às
recordações do mítico baú que a acompanhou em vida.”
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