O Clube de Leitura da Biblioteca Municipal, ontem, para comemorar o 6º aniversário, realizou
a sua habitual sessão mensal na sala reservada do restaurante Fábrica dos
Sentidos, para a abordagem e análise da obra "O casamento" do controverso jornalista, cronista, teatrólogo e
escritor brasileiro Nelson Rodrigues (1912-1980).
Nelson Rodrigues escreve obsessivamente sobre sexo,
incesto, taras, em toda a espécie de desvios sexuais e afirmando que "temos de encher o palco de uma rajada de
monstros, o personagem tem que ser um monstro para que o espectador não
seja". Para funcionar como uma espécie de catarse, pois segundo ele
"cada vez que um personagem mata alguém em cena, alguém deixará de matar
na vida real". Ele achava que o ser humano nasceu para se tornar santo.
O poeta Manuel Bandeira pediu-lhe a certa altura que
escrevesse uma peça com pessoas normais ao que ele respondeu "Meu caro
Manuel, eu só faço peças sobre pessoas como eu ou você! Todos somos
aquilo."
Na revista Ler, nº 148, Ruy Castro, famoso autor de
várias biografias de personalidades como Carmen Miranda, Garrincha, também
publicou uma biografia de Nelson Rodrigues, com o título "Anjo
pornográfico", tal como Nelson se autodenominava, na qual expõe muita sua da
vida e personalidade.
Ruy Castro conheceu-o quando era menino de colo.
Inicialmente, através de contos diários, uma moda na época, com o título
"A vida como ela é..." que ele publicava no jornal "Última
hora", nos anos 50, que a mãe de Castro devorava e lhos lia, apesar dos
seus inocentes 4 anos de idade.
Mais tarde vai conhecê-lo profissional e pessoalmente
no jornal onde trabalhavam os dois. Era uma personalidade controversa e
provocadora com o objetivo específico de produzir um abanão na sociedade
carioca da época.
Segundo uma das participantes do debate de ontem, nota-se
uma forte concentração de personagens com uma tão grande multiplicidade de
pensamentos, tão díspares, o que nos exige um esforço enorme para compreender
este complexo emaranhado entre a excentricidade e a loucura
É uma obra irónica, de crítica e sátira social a uma sociedade
da época, cheia de preconceitos e tabus, por um lado desconcertante, mas ao
mesmo tempo com momentos hilariantes, possivelmente verosímeis.
Em apenas 24 horas - aquelas que antecedem o casamento
de Glorinha, menina dos olhos do seu pai (até em demasia) - o autor concentra
nesta narrativa um desfile intenso de todas as obsessões que tanto o
mitificaram como o tornaram maldito: adultério, incesto, moralismo, sexo e
morte. Sabino, o pai, é informado que o seu genro foi apanhado a beijar outro
homem e tem de decidir o que fazer: o problema é que um casamento não se adia,
nem que para isso todas as vidas envolvidas fiquem viradas do avesso.
O Casamento é o único romance em nome próprio no meio
das dezenas de peças de teatro e centenas de crónicas e ficções curtas escritas
por Nelson Rodrigues. O livro foi feito por encomenda, concluído em apenas dois
meses, e foi confiscado pela ditadura brasileira logo depois de ter sido
publicado em 1966 por ser considerado «um atentado contra a organização da
família».
Nelson Rodrigues é um mito do século xx brasileiro,
e um dos escritores mais prolíferos e aclamados. Nasceu no Recife em 1912, mudando-se
em 1916 para o Rio de Janeiro, cidade que seria o cenário privilegiado de toda
a sua obra. Começou a trabalhar como jornalista aos 13 anos, logo na secção
policial, num jornal fundado pelo pai, e nunca mais parou. Fez da crónica e da
escrita um hábito diário e destacou-se em todos os géneros literários, pela
qualidade e pela quantidade: escreveu 17 peças de teatro, nove romances e
milhares de páginas de contos e crónicas, que mais tarde deram origem a várias
edições de textos reunidos, assim como a adaptações para teatro, cinema e
televisão. Idolatrado e odiado, politicamente conservador, Nelson Rodrigues
tanto apoiou a ditadura militar brasileira como foi, mais tarde, defensor
acérrimo das suas vítimas. Reacionário assumido, desencadeou sempre sentimentos
fortes, não só devido à sua obra como também à sua vida pública e privada.
Morreu no Rio de Janeiro em 1980.
Se Freud fosse vivo, ou a qualquer psiquiatra dos dias
de hoje, neste obra, teria na totalidade destas personagem os mais variados
casos de estudo.
Nestes
últimos 6 anos temo-nos encontrado todos os meses, sem interrupção, (excetuando
agosto), para falar de livros com base numa seleção que tem sido consensual.
Tudo isso
merece uma congratulação. A persistência dos nossos encontros, o gosto comum pela
partilha de ideias e, sobretudo, o prazer da leitura.
Citando Ana Paula Oliveira em relação aos livros, "desejo-os para recuperar a serenidade.
Sem eles, a imaginação atrofia, as ideias acorrentam-se e a solidão torna-se
insuportável. Sem eles, tudo é escuridão. Eles trazem luz. Tranquilamente
provocadores".
Carpe
Librum!
6º
Aniversário do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de S. João da Madeira.
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