Decorreu
ontem, 29 de novembro, pelas 21h00, mais uma animada sessão do Clube de
Leitura.
A
obra escolhida para nos fazer companhia neste tempo outonal foi "A
ronda da noite", de Agustina Bessa-Luís, deveu-se à homenagem feita à
escritora há cerca de dois anos na Feira do Livro, no Porto e também por ter
sido a última publicada (2006), pouco tempo antes de sofrer um AVC.
O
centro da narrativa é toda uma geração da família Nabasco, focada
essencialmente em Martinho Nabasco, personagem principal deste último romance
da autora, no período entre o fim da ditadura e o 25 de Abril e, também, a
magia de um lugar, que é o Douro profundo, bem presente em quase todas as suas
obras.
Um
romance com algumas características autobiográficas, que estabelece um
paralelismo entre a literatura e a arte, faz referências constantes à
literatura e arte universais, com uma fluência incrivelmente natural. No
entanto, definitivamente, não foi consensual entre todos os membros que seja
mesmo assim. Para alguns entendidos é muito forçado, exagerado e desnecessário.
A
obra de Rembrandt, "masterpiece" do pintor, é o mote para Agustina
estabelecer um paralelismo entre as personagens retratadas na pintura e as
personagens ao longo de todo o romance. Como Mega Ferreira refere no
prefácio, "Tudo o que está no romance está também no quadro".
Agustina
vai-nos revelando a cada instante a sua vastíssima cultura, sabedoria
estrutural, recheada de ensinamentos, pontuada de ironia sarcástica, um humor
constante, por vezes desconcertante e em alguns momentos hilariantes, como
aquela parte em que a criada Josefa, maníaca de limpezas, aproveitando a
ausência de Martinho resolve limpar o quadro porque o acha muito escurecido,
acabando por destruir a pintura em que todos se centravam.
O
quadro funcionava como um oráculo, a que todas as personagens recorrem
procurando cada um constatar a vida vazia, desnorteada, frustrada,
previamente planeada e manipulada pela matriarca da família. As relações
familiares pouco estáveis estão retratadas magistralmente, tal como é referido
no prefácio de António Mega Ferreira "todas as famílias felizes se
assemelham" segundo uma citação de Tostói, nas primeiras páginas de Ana
Karenina.
Assim,
segundo o ensaio de Álvaro Manuel Machado há "uma espécie de movimento
circular da narrativa, Agustina volta no final à sua obsessiva relação entre os
enigmas da História e da arte, por um lado e os enigmas do ser humano, por
outro lado cultivando-os genialmente".
Em
diversas críticas da imprensa destaco esta de Pedro Mexia, no Diário de
Notícias, "A Ronda da Noite é um texto imensamente subtil, mais uma
história sobre famílias nortenhas abastadas que é um ensaio sobre a criação e
os costumes, sobre a civilização e os instintos. [...] este livro é
essencialmente um romance de ideias. Ideias sobre uma classe e um tempo, por um
lado, e ideias sobre o desejo, por outro. [...] Ao mesmo tempo, este é um dos
romances mais libidinais de Agustina [...] um romance sobre a mortalidade que
respira imortalidade.! "
Em
resumo, desta vez, estivemos na companhia de uma grande senhora, que, com a sua
vastíssima obra, se tornou fonte de inspiração para o cineasta Manoel de
Oliveira, não tendo deixado de escrever alguns guiões para os seus
filmes.
Não
podemos deixar de fazer referência que algumas citações preciosas do universo
feminino de Agustina quando cita, "a sabedoria das mulheres dá para
arrasar montanhas" ou "com a curiosidade fazem-se mais coisas do que
com a inteligência".
E
a curiosidade que nos suscitou a sua obra transportou-nos ao Douro, às relações
familiares, a uma obra de arte de referência universal, à literatura... e mais
uma vez ao prazer da leitura.
Gratas
pela escolha!
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