Ontem, pelas
21 horas, na Biblioteca Municipal, decorreu a sessão do Clube de Leitura de
fevereiro, com a análise, abordagem e discussão da obra "Uma cana de pesca para o meu avô" do romancista,
pintor, dramaturgo, encenador, crítico literário e poeta Gao
Xingjian, a quem foi atribuído o Prémio Nobel de Literatura em 2000
e foi considerado um dos maiores escritores chineses da atualidade.
Trata-se de um conjunto de 6 pequenos contos, escritos em
discurso indireto livre, com muita oralidade, pouca pontuação, o que muitas
vezes nos faz ficar sem fôlego.
Alguns contos revelam subtilmente a ideologia política do autor, nascido
em 1949, em Ganzhou, opositor ao regime implementado pela Revolução Cultural de Mao-Tsé-Tung. Chegou a estar em campos de reeducação e em 1988,
torna-se refugiado político exilando-se em França. Em 1989 apoia
abertamente as manifestações de estudantes da Praça de Tian'anmen.
Com talento, subtileza e inteligência, o autor
transporta-nos para a China profunda, plena de simplicidade, serenidade e humildade, mas também da muita crueldade que está presente na cultura oriental.
A simplicidade é apenas aparente, porque em toda a obra o autor faz grandes reflexões sobre a vida, os acontecimentos e ainda do que poderia não ter acontecido, como quando piedosamente, após a morte de um homem no tráfego refere "No entanto, se tivesse saído de casa um pouco mais cedo, ou mesmo, depois de ter ido buscar a criança tivesse pedalado um pouco mais depressa ou mais devagar, ou ainda, se no infantário a ama lhe tivesse dito duas palavras, ou se pelo caminho tivesse encontrado alguém conhecido que o tivesse interpelado, não seria confrontado com a catástrofe."
Nestes
contos é evidente uma nostalgia pelos seus locais da infância e da sua terra
natal, das alegrias simples do amor, dos dramas da rua nas grandes cidades, e,
de forma subtil, deixa transparecer que a fome, a indiferença social, a solidão, as
injustiças são uma realidade com que o ser humano se confronta.
O amor, amizade, a morte, a saudade e a vida
sobressaem destes contos.
No primeiro conto, O Templo, intromete-mo-nos na
lua-de-mel de um casal jovem que transmite uma tal serenidade na forma de se
amarem e de estarem juntos, não só como casal, mas também como amigos e
companheiros que são, que só podemos sorrir durante a sua leitura.
No segundo conto, O Acidente, passamos da vida
e do amor para a morte e um outro tipo de amor. Neste conto, um homem é
atropelado por um autocarro e morre. No local do acidente junta-se uma multidão
perplexa e cheia de opiniões, como só este tipo de desgraças consegue juntar. O
fascínio que todos acabamos por sentir, de uma forma ou de outra, por situações
como esta é estranhíssimo, inexplicável e, neste caso inconsequente, porque
passadas apenas algumas horas após o acidente, já todos seguiram com as suas
vidas e no local do acidente já nada nem ninguém recorda a vida que ali se
perdeu.
O terceiro conto, A Cãibra, traz o tema do mar, que se repete nos contos que se seguem. Um rapaz nada no mar e sente uma cãibra, aflito para regressar a terra firme deseja que a rapariga que estava a tentar impressionar o tivesse visto entrar no mar e se aperceba da sua situação.
No quarto conto, Num Parque, conhecemos um
rapaz e uma rapariga que se reencontram ao fim de alguns anos. No passado
gostaram um do outro mas nunca deram o passo que levaria a relação mais além. A
vida separa-os e, agora que se voltaram a encontrar, aquilo que sentiam um pelo
outro, embora intacto já não faz muito sentido. Ao longe, no mesmo parque,
observam uma rapariga que chora. Não a tentam consolar porque de nada servirá,
a dor é algo que faz parte da vida e da qual não se consegue fugir.
O conto que dá nome ao livro, Uma Cana de Pesca
para o Meu Avô, é o mais extenso e aquele em que a escrita de Gao Xingjian
se torna mais apelativa e imaginativa. Um conto com um cheirinho oriental e
muito bom de se ler, cujo título resume bem aquilo de que trata. Um homem jovem
compra uma cana de pesca para o avô que não vê há muitos anos e de quem sente
muita falta. O conto narra a infância deste homem junto do avô que lhe ensinou
tanto. Uma história de saudade, de esquecimento e lembrança.
O último conto, intitulado Instantâneos, não é
bem um conto, mas sim, como o próprio nome indica, instantâneos. A narração de
alguns instantes nas vidas de várias personagens sendo possível perceber um fio
condutor que os liga uns aos outros. O mar volta a ser uma referência
importante.
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