O membro do movimento que dirigiu esta conversa, Fátima Guimarães,
esteve acompanhada da médica Helena Dias, especialista em Aditologia da
Equipa de Tratamento de Santa Maria da Feira, com trabalho clínico de
formação e investigação nesta área desde 1989, que falou precisamente
sobre os comportamentos aditivos e as dependências, o papel dos técnicos
e das instituições nos diagnósticos, tratamentos e acompanhamentos dos
utentes e das famílias e do contributo da neurociência para compreender a
dependência aditiva.
A Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, surgiu em 1999 como
resposta aos dramáticos níveis de consumo de drogas em Portugal.
Nesta época “era terra de ninguém, eram os excluídos dos excluídos” e
num instante “à rua vai-se chegando”, mas “da rua não se sai sozinho”,
afirmou Helena Dias.
Neste momento, é preciso “parar para ver o cenário 20 anos depois” –
porque “não é o mesmo” – e “alocar recursos para que as respostas sejam
mais eficientes”, considerou a médica.
Em relação a dados, destaque para o facto de em três terços dos
casos: um terço, depois de realizar tratamentos, consegue deixar a
dependência e incluir-se na sociedade; um terço continua em tratamento e
um outro terço não consegue deixar a dependência. Apesar de um terço
conseguir vencer a dependência, ainda existe “muito trabalho a fazer”
para ajudar os restantes dois terços, alertou Helena Dias.
“O conhecimento é para evoluir” ou de outra forma não passaremos da
“cepa torta”, concluiu a médica, recorrendo a uma frase emblemática de
Almeida Negreiros: “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a
humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a
humanidade”.
E como existem pessoas que precisam de outrem para conseguir sair da
situação tóxica e indigna em que estão, temos e devemos de olhar para
eles e não olhar para o lado. “Quando as pessoas passam a ser
invisíveis, o que é que isso diz de nós?”, questionou Helena Dias.
O Movimento Erradicar a Pobreza “não tem a pretensão de substituir
outras instituições” que atuam no combate à dependência de substâncias
psicoativas e à pobreza, “mas tendo em conta o número crescente de casos
é preciso fazer algo mais”, esclareceu Fátima Guimarães.
Um dos cenários mais alarmantes do momento é que existem muitas
pessoas “pobres que todos os dias vão trabalhar e o que ganham não dá
para viver”, destacou a sanjoanense que integra o movimento.
Até quando é que as pessoas vão conseguir (sobre)viver assim? Numa
altura em que está a ser discutido o aumento do salário mínimo nacional
para 635 euros, o labor já comprovou em mais do que uma peça
jornalística que o valor atual (600 euros) não é suficiente para um
jovem ser independente e apenas e só é suficiente para um casal
sobreviver.
Uma outra conclusão desta noite foi de que “a pobreza não acabou e
isso incomoda”, assumiu Fátima Guimarães que organizou esta conversa no
âmbito do Dia Internacional da Pobreza (17 de novembro) e que já
interveio recentemente como cidadã na Assembleia Municipal a respeito
das pessoas sem-abrigo existentes em S. João da Madeira que têm
histórias associadas à pobreza e à dependência de substâncias
psicoativas.
A sanjoanense relembrou que a pobreza foi declarada pela Assembleia
da República como uma violação dos direitos humanos em 2008. O certo é
que passados tantos anos, ela continua a existir, logo este direito está
a ser violado por alguém ou algo sem que sejam penalizados por isso.
Este colóquio ficou marcado, sobretudo,
pelas declarações de Dilma Nantes, ex-vereadora da Educação e da Ação
Social, pelo PSD e pela coligação PSD/CDS-PP, na Câmara Municipal de S.
João da Madeira.
A conversa sobre as substâncias
psicoativas e a pobreza levou às pessoas sem-abrigo que têm sido um tema
recorrente em reuniões de câmara e em assembleias municipais, seja
através da intervenção de munícipes ou dos partidos da oposição.
“As autarquias têm de estar apetrechadas para intervir” nestes casos sensíveis, afirmou a médica Helena Dias.
O que levou à intervenção de Jorge
Cortez, deputado da CDU, para esclarecer que “a competência não é da
autarquia, mas S. João da Madeira faz muito e há muitos anos”, e a
antever que “a sensação que tenho é de que (esta realidade) vai piorar”.
“Este é um trabalho que oxalá se
conseguisse acabar, mas não consegui resolver. Quando resolvíamos um
caso, apareciam outros. Em três dias tivemos vários casos de pessoas a
viver dentro de carros até arranjar casa”, revelou Dilma Nantes sobre o
período em que teve o pelouro da Ação Social no Município.
E só para termos uma noção do desespero
de muita gente em relação a inscrições para pedidos de habitação social,
“tivemos pessoas da Madeira, Seia, Coimbra e de muito longe”, contou a
ex-vereadora. Também lamentou que a comunidade em geral esteja “mais
atenta ao terço de pessoas que não recupera (da dependência de
substâncias psicoativas e do estado de pobreza) do que em relação ao
terço que recupera e ao outro que continua em tratamento”.
Por essa razão, Dilma Nantes fez questão
de salientar que “temos muitos casos de sucesso e resolvidos” devido ao
trabalho desenvolvido pelas instituições e pelo Município. Ainda assim,
“devemos ser pessoas inquietas e devemos continuar a ajudar” aqueles que
ainda não conseguiram dizer não à dependência e/ou sair da pobreza,
considerou a ex-vereadora, dando a conhecer que nestes processos “há
pessoas que também são muito difíceis de trabalhar”. “Acho que há muito
trabalho feito pelas instituições e pela autarquia, a Rede Social
funciona, com lacunas, claro, mas ajudamos muitas pessoas no dia a dia”,
reforçou Dilma Nantes, chamando a atenção para o facto de que “a
pobreza tem um papel na dependência, mas não só. Se não, não havia esse
problema em pessoas de outras classes e há muitos”.
Para a ex-vereadora
da Ação Social, “uma autarquia não tem poder para acabar com os
sem-abrigo. Tem de ser um programa nacional, caso contrário é
impossível”. Neste assunto, “temos implicado o Presidente da República e
passados dois anos não está muito desenvolvido ou resolvido”, alertou
Dilma Nantes aos presentes.
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