Poeta, ensaísta e político social-democrata Vasco Graça Moura morreu
na manhã deste domingo no Hospital da Luz em Lisboa, após uma longa e
estóica luta contra o cancro, confirmou o PÚBLICO junto de fonte próxima
da família. Tinha 72 anos.
Mesmo na sua fase terminal, a doença não o impediu
de desempenhar, quase até aos últimos dia de vida, as suas funções de
presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), nem de continuar a
escrever e publicar livros e de enviar as suas crónicas semanais para o Diário de Notícias.
O
corpo de Vasco Graça Moura estará a partir das 19h de domingo na
Basílica da Estrela, em Lisboa. Na segunda-feira, ficará todo o dia em
câmara ardente, estando prevista uma homenagem pública às 21h, com
música de Bach e fado. Na terça-feira, será rezada uma missa pelo padre
Tolentino Mendonça, às 10h, seguindo o corpo para o Cemitério dos
Olivais, onde será cremado. As cinzas irão depois para o Porto, onde
nasceu.
Homenageado em final de Janeiro pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da
Espada, a culminar o colóquio que a Fundação Gulbenkian lhe dedicou,
Vasco Graça Moura era uma figura de características únicas na cultura
portuguesa actual.
Poeta e tradutor de grandes poetas, romancista, ensaísta, dramaturgo, cronista, antologiador, historiador honoris causa,
advogado, político, gestor cultural – e podiam acrescentar-se várias
outras actividades –, Graça Moura foi um improvável espírito
renascentista encarnado neste presente um pouco caótico de mais para o
seu assumido gosto pela ordem e pela disciplina. Mesmo que nos fiquemos
pela sua obra literária em sentido lato, seria talvez preciso recuarmos a
um Jorge de Sena para encontrarmos um antecessor convincente da
diversidade, qualidade e intensidade do seu trabalho criativo e
intelectual.
Autor de quase 30 livros de poemas, de Modo Mudando (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens
(2010), foi ainda um tradutor épico, que parecia ter particular prazer
em impor-se desafios colossais, como o de verter em português a Divina Comédia e a Vita Nuova de Dante, ou as Rimas e Triunfos de Petrarca, ou os Testamentos de François Villon, ou ainda a integral dos Sonetos de Shakespeare.
Escolhas
que certamente coincidem com as suas paixões pessoais de leitor, mas às
quais também não terá sido alheio um certo sentido de missão: Graça
Moura empenhou-se, como tradutor, em enriquecer o património literário
disponível em língua portuguesa, como se esforçou, enquanto responsável
da Imprensa Nacional/Casa da Moeda (IN/CM), que dirigiu ao longo de toda
a década de 1980, por combater o progressivo esquecimento dos grandes
autores portugueses do passado.
Traduzindo directamente do
espanhol, do francês, do italiano, do inglês e do alemão, traduziu, além
dos autores já referidos, extensas escolhas de poetas como Pierre
Ronsard, Rainer Maria Rilke, Gottfried Benn, Walter Benjamin, Federico
García Lorca, Jaime Sabines, H. M. Enzensberger ou Seamus Heaney, e
ofereceu-nos ainda versões portuguesas de algumas das peças mais
importantes dos três grandes dramaturgos franceses do século XVII:
Corneille, Molière e Racine.
Prémio Pessoa em 1995
É
por estas duas dimensões, a de poeta e a de tradutor, que é mais
reconhecido, e foram elas que lhe valeram as principais distinções
atribuídas à sua obra, a começar pelo Prémio Pessoa, em 1995, e
incluindo a criteriosa Coroa de Ouro do Festival de Struga, na
Macedónia, que recebeu em 2004 – entre os vencedores das três edições
anteriores contam-se dois prémios Nobel: Tomas Tranströmer e Seamus
Heaney – e o Prémio Nacional de Tradução atribuído em 2007 pelo
Ministério da Cultura italiano.
Mas outras dimensões da obra de Graça Moura, como a ficção ou o ensaísmo, estão longe de ser negligenciáveis. Se títulos como Luís de Camões, Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985) ou Os Penhascos e a Serpente (1987)
lhe dão um lugar de indiscutível relevo entre os camonistas
contemporâneos, os seus ensaios abarcam temas tão variados como os
Descobrimentos, a pintura portuguesa da Renascença, a construção da
identidade cultural europeia, o fado, a pintura de José Rodrigues ou
Graça Morais, a literatura de David Mourão-Ferreira ou Vitorino Nemésio,
para citar apenas uma breve amostra. À qual não se pode deixar de somar
o tópico do Acordo Ortográfico, que considerava um crime de
lesa-língua, e ao qual dedicou, em 2008, o ensaio Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre. Tentar travar a sua aplicação tornou-se o grande combate cívico dos seus últimos anos.
Toda a sua obra está disponível na Biblioteca Municipal.
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