sexta-feira, 12 de junho de 2020

"BIBLIOTECA VERDE" DE CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

A obra "Biblioteca Internacional de Obras Célebres", constituída por 24 volumes, tem como redatores principais Gabriel Victor do Monte Pereira, Manoel Cicero Peregrino da Silva, Marcelino Menedez y Pelayo, Ricardo Palma, Alois Brandl e outros.
Os colaboradores brasileiros são José Verissimo, Vicente de Carvalho, Artur Orlando, Reis Carvalho, Constancio Alves, Lindolfo Collor, João Ribeiro.

“A primeira edição da antologia, intitulada no original «The International library of Famous Literature», que se reveste de elevada importância histórico-cultural e bibliográfica, foi publicada em Londres em 1899. 

Esta edição datada de 1912, encontra-se disponível na Biblioteca Municipal de S. João da Madeira através de doação, em 1958, pelo Comendador José Raínho da Silva Carneiro. É o único exemplar referenciado nos catálogos de acesso público, fazendo dela um "objeto raro no contexto português.”

Trata-se de uma coleção das Produções Literárias mais célebres do mundo, na qual estão representados os autores mais afamados dos tempos antigos, medievais e modernos.

A Coleção da Sociedade Internacional, envolve Lisboa, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres e Paris.

Carlos Drummond de Andrade, aos 10 anos teve a sorte de receber do pai esta obra, que o inspirou a fazer um poema muito conhecido "A BIBLIOTECA VERDE".






BIBLIOTECA VERDE
..
– Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.
São só 24 volumes encadernados em percalina verde.
– Meu filho, é livro demais para uma criança!…
– Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.
– Quando crescer, eu compro. Agora não.
– Papai, me compra agora. É em percalina verde,
só 24 volumes. Compra, compra, compra!…
– Fica quieto, menino, eu vou comprar.
– Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca
bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com um arranhão, recuso. Já sabe:
Quero a devolução de meu dinheiro.
– Está bem, Coronel, ordens são ordens.
  
Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro,
fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
vai levando tamanho universo.
Chega cheirando a papel novo, mata
de pinheiros toda verde.
Sou o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja de mim mesmo)
Ninguém mais aqui possui a coleção das Obras Célebres.
Tenho de ler tudo. Antes de ler,
que bom passar a mão no som da percalina,
esse cristal de fluida transparência: verde, verde…
Amanhã começo a ler. Agora não.
Agora quero ver figuras. Todas.
Templo de Tebas, Osíris, Medusa, Apolo nu, Vênus nua…
Nossa Senhora, tem disso nos livros?!…
Depressa, as letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa: Não dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga a luz, cretino! Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono.
Olha que eu tomo e rasgo essa Biblioteca
antes que pegue fogo na casa.
Vai dormir, menino, antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.
Dorme, filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.
Mas leio, leio… Em filosofias tropeço e caio,
cavalgo de novo meu verde livro,
em cavalarias me perco, medievo;
em contos, poemas me vejo viver.
Como te devoro, verde pastagem!…
Ou antes carruagem de fugir de mim
e me trazer de volta à casa
a qualquer hora num fechar de páginas?
Tudo que sei é ela que me ensina.
O que saberei, o que não saberei nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.


Carlos Drummond de Andrade 
1902-1987

Poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro.

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